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Da incerteza à escolha


por: Homero Reis

Curiosamente, certos temas nos adotam. Vira e mexe, tratamos deles. Este é o caso dos processos de decisão e escolha. Nos últimos tempos, vários clientes, alunos e amigos me têm abordado com a inquietante questão sobre como fazer a escolha certa, diante das situações que a vida nos coloca. De saída, quero esclarecer que não existe uma resposta certa para isso. Pelo menos, não existe como resultado de uma equação exata que nos dê uma solução objetiva e infalível. Aliás, é exatamente por não se ter certeza objetiva sobre essas coisas, que a vida pode ser encantadora. Há, certamente, muito mais mistérios que certezas no viver. No entanto, se observarmos o que temos diante de nós, podemos aprender alguns princípios que podem nos orientar nas decisões a serem tomadas e na reflexão sobre nós mesmos. Vamos a eles:

Primeiro – você terá sempre infinitas possibilidades de escolha sobre qualquer coisa que tiver que decidir; desde a roupa que vai usar logo mais, ao curso que precisa fazer, onde aplicar seu dinheiro, que profissão seguir, passando pela cruel dúvida histórica de saber se “casa ou se compra uma bicicleta”.

As infinitas possibilidades estão diante de nós. No entanto, somos reféns de nosso modelo mental. Decidimos conforme a “programação” decorrente de histórias de vida, influências de outros a quem concedemos autoridade, de interesses imediatos, etc. A dificuldade em reconhecer as infinitas possibilidades decorre de ficarmos presos à nossa região de conforto. Diante de muitas alternativas sempre surge uma insegurança natural e, nesse caso, é inevitável a dúvida: “como saber se estou fazendo a escolha certa?”. Certamente você jamais saberá, mas terá que escolher mesmo assim. Aceite isso e entenda que decidir do modo como você sempre decide, fazer as escolhas que sempre faz, gera o mesmo resultado. Quem quer que algo novo aconteça, deve fazer uma escolha nova para gerar um fato novo. O risco faz parte do jogo e sem arriscar não há aprendizagem nem desenvolvimento.

Uma cliente, certa vez me demandou conversas sobre o modo como as pessoas lhe tratavam. – Sou alegre e jovial, mas as pessoas sempre me tratam com excessivo formalismo, queixava-se ela. Quero mudar isso. Observando-a nas sessões de coaching, via-a sempre trajando roupas muito elegantes, mas todas voltadas para o modelo clássico em tons escuros, a meu ver demasiadamente formais e sóbrios, considerando a pessoa alegre e jovial que ela dizia ser. Além disso, era seu perfil usar o cabelo em coque, preso no topo da cabeça, e um óculos na ponta do nariz, guarnecido de uma correntinha que o prendia ao pescoço.

Tendo me dado conta disso, perguntei-lhe o que achava de um figurino um pouco mais alegre, jovial, mais compatível com o que ela esperava ter de reconhecimento pelos outros. Algo colorido, floral, etc. A resposta foi imediata: -Não sou uma perua! Senti que precisava de ajuda nessa área. Chamei uma assistente que trabalha comigo e lhe pedi que fizesse um book com roupas e maquiagens leves e coloridas, tendo por personagens, mulheres executivas semelhantes à minha cliente. O trabalho da assistente foi primoroso. Alguns dias depois, chamei minha cliente e lhe apresentei várias fotos de executivas com estilos mais leves. Sua reação foi bem interessante.  – Ok! Estão todas lindas, mas eu não sou essas pessoas. Acho que avançamos nessa área. De “perua” a “não sou essas pessoas” é um bom começo. Continuamos a conversar e lhe propus um experimento. Não para que ela aderisse a um novo estilo, mas para sair de sua “região de conforto”. A ideia era fazê-la experimentar algo que não lhe fosse demasiadamente agressivo, mas que representasse uma ampliação de suas possibilidades de guarda-roupa, cabelo e maquiagem – um fato novo. Algo um pouco mais perto da mudança que ela queria que as pessoas vissem. Depois de algum tempo ela aquiesceu. Seu marido, que trabalha na mesma organização, seria homenageado em um happy hour. Nesse dia, ela saiu mais cedo para se preparar para o evento: vestido elegante, mas mais alegre que os usuais, maquiagem mais leve, cabelos soltos e os óculos substituídos pelas lentes de contato. Ao chegar na organização, passando pelas pessoas, percebia que muitas não lhe reconheciam e, ao reconhecerem lhe faziam declarações de quanto ela estava elegante, bonita, simpática, etc. O fim desse episódio é que minha cliente passou a considerar outras possibilidades que antes rejeitava veementemente.

Segundo – você sempre terá que fazer escolhas, nem sempre terá todas as informações de que precisa e nunca irá prever ou controlar todas as variáveis e consequências. Esse princípio nos ajuda a acalmar nossas emoções e ansiedades diante das coisas. Devo decidir a partir da ampliação de minha região de conforto, aprendendo com as possibilidades, mas tendo a consciência de que sou eu quem decide e ninguém é responsável por isso a não ser eu mesmo. Se você decide sem ter consciência disso é porque, talvez, tenha dificuldades em dizer não, em posicionar-se; ou ainda, sofra da necessidade de agradar a todos. Aliás, essa necessidade é a raiz de todo fracasso. Portanto, decida e assuma a responsabilidade da decisão. É claro, converse, peça ajuda, escute pessoas e contextos, pondere, esteja aberto à aprendizagem e à novidade; mas, no final é você quem escolhe e, na melhor hipótese, você é responsável pela metade de tudo o que lhe ocorre.

Um aluno me disse que não concordava com isso porque não poderia ser responsável se um assaltante lhe abordasse na rua. É justa essa reflexão. Mas, pense um pouco, se escolho morar num determinado local, escolho tudo o que creio que tal local tem de bom, mas não devo desconsiderar o que há de nefasto naquele lugar. Quem escolhe morar em uma grande metrópole terá que conviver com tudo que tal metrópole pode oferecer, tanto de bom, quanto de ruim, quem escolhe morar no campo também. Escolher ter um carro traz todas as vantagens de um veículo, mas também traz o trânsito, o acidente, o pneu furado, etc. Entender isso é maturidade.

Terceiro – certo ou errado são categorias menos significativas do que ser capaz de sustentar as escolhas. Quando decidimos devemos ter consciência das implicações da decisão em termos de nossa capacidade de sustenta-la no tempo e no espaço. É fácil decidir parar de fumar, logo após ter fumado um cigarro; decidir fazer regime, logo após o almoço; matricular-se numa academia de ginástica, logo após a bronca do cardiologista. A questão é sustentar isso quando a vontade de fumar aparecer, a fome chegar e o sentimento de culpa pelo sedentarismo estiver esmaecido. Não ser capaz de sustentar uma decisão é o que explica porque muitos de nossos projetos começam e não terminam. Explica porque não concluímos as coisas que começamos.

Recentemente abrimos na empresa um processo de seleção para recrutarmos uma assistente de pesquisa para nosso laboratório. Dentre as pessoas que se candidataram apareceu uma jovem universitária muito qualificada. Ao entrevista-la a vi excessivamente arrumada; então lhe perguntei se aquele era o padrão que ela adotava na sua vida profissional. Ela respondeu-me que não. Tinha se produzido daquela forma para participar da seleção. Meu argumento foi o seguinte: se estou lhe selecionando com esse padrão, espero que você o mantenha, depois de contratada. Ela me disse que não teria condições de fazê-lo. Aí pedi para que ela voltasse no dia seguinte, trajando o que ela seria capaz de sustentar. Quando não nos preocupamos com a sustentação do que escolhemos, fazemos propaganda enganosa de nós mesmos; nossas escolhas tornam-se frágeis, deixando pelo caminho projetos interminados, relações não concluídas, conversas pendentes, e uma sensação de que há uma conspiração cósmica contra nós. Ledo engano!

Quarto -  toda escolha vai gerar um pouco de frustração. Quando decido sobre qualquer coisa, mudo de nível no universo das possibilidades. Não se pode voltar atrás para se refazer uma escolha. O tempo é um contínum. Corrigir algo decidido é uma nova decisão, num novo contexto, com novas e infinitas possibilidades, diferentes das anteriores porque o tempo é outro, você é outro(a), a situação é outra. Isso geralmente cria em nós a sensação de que uma outra escolha poderia ter sido melhor. Lembrete: isso é fantasia mental e não uma possibilidade. Portanto, conviver com um certo grau de frustração faz parte do jogo da vida relacional e é componente da saúde e da maturidade. Ninguém tem tudo o que quer, nem pode ter tudo. Fazer escolhas é tomar decisões dentro dos espaços de possibilidades. Ampliar nossa visão dessas possibilidades é aprender. Sustentar o que aprendemos é nos garantir integridade e dignidade na vida. Fazer escolhas e definir caminhos é o que nos possibilita viver na dimensão da esperança e do encantamento, e isso é o que torna a vida fantástica, o que não significa que ela é fácil.

Reflitam em paz!
Homero Reis

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